domingo, 2 de novembro de 2014

Cuidar de abelha na seca melhora a renda no “inverno”


Agricultor mostra bebedouro instalado em seu apiário
A seca cobra dedicação e gosto para descobrir jeitos de ir passando pelas estiagens, ano após ano, cada vez menos aperreado. E pra fazer render a labuta na roça, quando as fontes de água estão vazias e nem uma folha verde à vista em léguas e léguas de terra, precisa de trabalho duro e, claro, de uma cienciazinha. José Ricardo, residente da comunidade da Melosa que o diga.
Vivente da cidade de Remanso (BA), marceneiro de profissão, boa praça, um dia se encantou pela criação de abelhas e lá se foi a construir caixas e instalar apiários em algum canto de caatinga nas propriedades de amigos. No “inverno”, como se refere ao tempo das chuvas na região, pólen, néctar e água não faltam em meio à vegetação nativa.
Na seca? Ah!! Aí tem que se desdobrar pra não perder as colônias. Em cima da sua moto, não foi só uma ou duas ou três vezes que correu trecho com um objetivo inusitado: galões de água na garupa, percorria um a um os apiários para matar a sede das abelhas; junto, carregava porções de ração, a fim de garantir a permanência desses pequenos insetos nas caixas que talhou com tanto zelo.

Extrativismo - “Louco”. Não foram poucas as vezes que ouviu. Mas, a disciplina de dar de comer e de beber às abelhas se encaixava direitinho com o que escutava atentamente nos vários cursos e encontros de que participou promovidos por organizações como o Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (SASOP), Sebrae, EBDA e UNIVASF, além da Embrapa.
Com um jeito meio de “cientista por natureza”, José Ricardo já foi além: imaginou e construiu um bebedouro para abastecer as suas colônias com um galão com capacidade de armazenar 20 litros de água, alguns poucos metros de mangueira, uma boia das usadas em descarga de sanitário, e um cano pvc cheio de furos. Um artefato simples, barato e muito eficiente, que vai diminuir a quilometragem das suas andanças carregado de água.
Um amigo, José Ferreira, explica que no ramo de apicultura são poucos os que se dedicam a cuidar das abelhas. A grande maioria, diz, “apenas põem a caixa no mato e deixam as abelhas sem nenhum tipo de assistência, e sequer colocam cera, imagine água e ração!”.
- Esses não têm amor pelo que fazem. São extrativistas e só vão lá para “roubar” o mel.
Manejo – A visão da atividade apícola no Semiárido de José Ferreira e de José Ricardo é compartilhada pelos pesquisadores e técnicos vinculados ao Projeto Lago de Sobradinho, que têm um plano de ação voltado para desenvolver a apicultura e a meliponicultura (abelhas sem ferrão) nos municípios de Casa Nova, Pilão Arcado, Sento Sé e Sobradinho, além de Remanso.
O comércio de mel já é um negócio lucrativo em diversas partes do Semiárido. Na região Nordeste – com destaque para os estados do Piauí, Ceará e Bahia – são coletados cerca de 32% da produção nacional. Apesar disso, muitas vezes, o manejo dos apiários é inadequado e não padronizado entre os apicultores em vários locais.
Pesquisador e coordenador do Projeto, Rebert Coelho Correia, da Embrapa Semiárido, vê em José Ferreira e José Ricardo, apicultores experientes e muito dinâmicos na criação e apropriação de inovações técnicas. “O empenho deles mostra que a atividade apícola pode apresentar melhores resultados produtivos, com repercussão no desenvolvimento econômico da região”, afirma. 
Informações levantadas por especialistas em apicultura - a professora Eva Mônica, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), e o engenheiro agrônomo José Fernandes, da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) - apontam que a atual produtividade média nos cinco municípios instalados nas margens do Lago de Sobradinho gira em torno de 13 kg/colmeia/ano. É um volume bem abaixo do que tem alcançado apicultores integrados às ações de capacitação e de assistência técnica do Projeto. José Ricardo, por exemplo, em seu apiário na comunidade de Melosa, em Remanso, e José Carlos, de Riacho Grande, em Casa Nova, colheram na última safra nada menos que 40 kg/colmeia/ano. 
Chegaram a esse resultado mesmo depois de três anos de severa estiagem. 
O aumento da produtividade terá um impacto mais significativo se for resolvida uma questão comercial importante, levantada por José Ricardo: a pouca valorização do manejo racional, que assegura a qualidade do mel com o uso de equipamentos apropriados para o beneficiamento. O “mel limpo”, ou seja, centrifugado, diz, deveria ser mais valorizado do que aquele extraído das colmeias de forma extrativista, espremendo os favos com as mãos, que contamina o produto. 
Cadeia produtiva – Rebert explica que este problema é uma preocupação analisada no estudo de cadeia produtiva do mel, elaborado pela equipe de socioeconomia do projeto, coordenada pelo engenheiro agrônomo Jose Lincoln Pinheiro de Araújo, também pesquisador da Embrapa Semiárido. Este trabalho gerou referências socioeconômicas e organizacionais, para precisar os espaços de valorização e competitividade do mel nos cinco municípios da Bahia localizados às margens do lago, formado pela Barragem de Sobradinho. 
“O objetivo final é aumentar a renda obtida com a criação de abelhas e tornar melhor a vida de gente como José Ferreira e José Ricardo”, afirma o pesquisador da Embrapa. 

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