Agricultor mostra bebedouro instalado em seu apiário |
A seca cobra dedicação e gosto para descobrir
jeitos de ir passando pelas estiagens, ano após ano, cada vez menos aperreado.
E pra fazer render a labuta na roça, quando as fontes de água estão vazias e
nem uma folha verde à vista em léguas e léguas de terra, precisa de trabalho
duro e, claro, de uma cienciazinha. José Ricardo, residente da comunidade da
Melosa que o diga.
Vivente da cidade de Remanso (BA), marceneiro de
profissão, boa praça, um dia se encantou pela criação de abelhas e lá se foi a construir
caixas e instalar apiários em algum canto de caatinga nas propriedades de
amigos. No “inverno”, como se refere ao tempo das chuvas na região, pólen,
néctar e água não faltam em meio à vegetação nativa.
Na seca? Ah!! Aí tem que se desdobrar pra não
perder as colônias. Em cima da sua moto, não foi só uma ou duas ou três vezes
que correu trecho com um objetivo inusitado: galões de água na garupa,
percorria um a um os apiários para matar a sede das abelhas; junto, carregava
porções de ração, a fim de garantir a permanência desses pequenos insetos nas
caixas que talhou com tanto zelo.
Extrativismo -
“Louco”. Não foram poucas as vezes que ouviu. Mas, a disciplina de dar de comer
e de beber às abelhas se encaixava direitinho com o que escutava atentamente
nos vários cursos e encontros de que participou promovidos por organizações
como o Serviço de Assessoria a Organizações Populares
Rurais (SASOP), Sebrae, EBDA e UNIVASF, além da Embrapa.
Com um jeito meio de “cientista por natureza”, José
Ricardo já foi além: imaginou e construiu um bebedouro para abastecer as suas
colônias com um galão com capacidade de armazenar 20 litros de água, alguns
poucos metros de mangueira, uma boia das usadas em descarga de sanitário, e um
cano pvc cheio de furos. Um artefato simples, barato e muito eficiente, que vai
diminuir a quilometragem das suas andanças carregado de água.
Um amigo, José Ferreira, explica que no ramo de
apicultura são poucos os que se dedicam a cuidar das abelhas. A grande maioria,
diz, “apenas põem a caixa no mato e deixam as abelhas sem nenhum tipo de
assistência, e sequer colocam cera, imagine água e ração!”.
- Esses não têm amor pelo que fazem. São
extrativistas e só vão lá para “roubar” o mel.
Manejo – A visão da atividade apícola no Semiárido de
José Ferreira e de José Ricardo é compartilhada pelos pesquisadores e técnicos
vinculados ao Projeto Lago de Sobradinho, que têm um plano de ação voltado para
desenvolver a apicultura e a meliponicultura (abelhas sem ferrão) nos
municípios de Casa Nova, Pilão Arcado, Sento Sé e Sobradinho, além de Remanso.
O comércio de mel já é um negócio lucrativo em diversas partes do Semiárido.
Na região Nordeste – com destaque para os estados do Piauí, Ceará e Bahia – são
coletados cerca de 32% da produção nacional. Apesar disso, muitas vezes, o manejo dos apiários é inadequado e
não padronizado entre os apicultores em vários locais.
Pesquisador e coordenador do Projeto, Rebert Coelho Correia, da Embrapa Semiárido, vê em
José Ferreira e José Ricardo, apicultores experientes e muito dinâmicos na
criação e apropriação de inovações técnicas. “O empenho deles mostra que a
atividade apícola pode apresentar melhores resultados produtivos, com
repercussão no desenvolvimento econômico da região”, afirma.
Informações levantadas por especialistas em
apicultura - a professora Eva Mônica, da Universidade Federal do Vale do São
Francisco (UNIVASF), e o engenheiro agrônomo José Fernandes, da Empresa Baiana
de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) - apontam que a atual produtividade média
nos cinco municípios instalados nas margens do Lago de Sobradinho gira em torno
de 13 kg/colmeia/ano. É um volume bem abaixo do que
tem alcançado apicultores integrados às ações de capacitação e de assistência
técnica do Projeto. José Ricardo, por exemplo, em seu apiário na comunidade de
Melosa, em Remanso, e José Carlos, de Riacho Grande, em Casa Nova, colheram na
última safra nada menos que 40 kg/colmeia/ano.
Chegaram a esse resultado mesmo depois de três anos
de severa estiagem.
O aumento da produtividade terá um impacto mais
significativo se for resolvida uma questão comercial importante, levantada por
José Ricardo: a pouca valorização do
manejo racional, que assegura a qualidade do mel com o uso de equipamentos
apropriados para o beneficiamento. O “mel limpo”, ou seja, centrifugado, diz,
deveria ser mais valorizado do que aquele extraído das colmeias de forma
extrativista, espremendo os favos com as mãos, que contamina o produto.
Cadeia produtiva – Rebert explica que este problema é uma
preocupação analisada no estudo de cadeia produtiva do mel, elaborado pela
equipe de socioeconomia do projeto, coordenada pelo engenheiro agrônomo Jose
Lincoln Pinheiro de Araújo, também pesquisador da Embrapa Semiárido. Este
trabalho gerou referências socioeconômicas e
organizacionais, para precisar os espaços de valorização e competitividade do
mel nos cinco municípios da Bahia localizados às margens do lago, formado pela
Barragem de Sobradinho.
“O objetivo final é aumentar a renda obtida com a
criação de abelhas e tornar melhor a vida de gente como José Ferreira e José
Ricardo”, afirma o pesquisador da Embrapa.
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