terça-feira, 20 de março de 2018

Participação impulsiona melhores resultados dos projetos de desenvolvimento rural



A cooperação entre a Embrapa Semiárido e a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), por meio do Projeto Lago de Sobradinho, está assentada em metodologias participativas e em situações que aproximam o conhecimento científico-tecnológico das experimentações postas em prática por organizações da sociedade civil e agricultores. Essas ações diretamente no meio real, no entanto, remontam a um histórico de experiências e a um conjunto de estudos, por parte da Embrapa, que tiveram início ainda na década de 1970.
O pesquisador e coordenador do Projeto Lago de Sobradinho, Rebert Coelho Correia, relata que, até chegar a este modelo de intervenção, pesquisadores e técnicos da Embrapa Semiárido percorreram um longo itinerário de abordagens que, num primeiro instante, integrava uma orientação interdisciplinar e focada na propriedade agrícola sob determinada situação agroecológica, com o objetivo de confrontar práticas de produção com as ofertas de tecnologias da pesquisa.
Os resultados registrados em um projeto anterior com essa orientação, executado em Ouricuri-PE, foi que a “adoção de inovações necessitava de um ambiente favorável que poderia ser potencializado em ações incrementadas nas comunidades rurais”, afirma Rebert. E foi o que se buscou em outro ambiente físico, no distrito de Massaroca, Município de Juazeiro-BA, com a “adoção de métodos de planejamento e intervenção para o desenvolvimento rural, planejado e controlado pelos agricultores, em nível de comunidades rurais”.
O passo seguinte se deu com o projeto de “Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião”, implementado de 1999 a 2016, em uma área de, aproximadamente, 14.000 km², compreendendo 13 municípios das regiões Sudoeste e Serra Geral do Estado da Bahia, que, à época contavam com, aproximadamente, 40.000 famílias quase totalmente em situação abaixo da linha de pobreza. Em parceria com o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e do Governo do Estado da Bahia, por intermédio da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), órgão da Secretaria de Desenvolvimento Rural, o desafio enfrentado foi o de demonstrar a viabilidade técnica dos conhecimentos gerados pela pesquisa e o potencial das atividades agropecuárias do Semiárido brasileiro.
Com a Chesf, no Projeto Lago de Sobradinho, as ações estão voltadas para as unidades produtivas de agricultores familiares e de pescadores dos municípios do entorno do Lago de Sobradinho, prioritariamente, por meio de suas organizações. Um instrumento metodológico adotado para compor esse conjunto de atores são os chamados Campos de Aprendizagem Tecnológica (CATs), em geral, com dimensão de 1 hectare.
Na estratégia operacional do projeto, os CATs são uma espécie de espaço pedagógico para experimentações técnicas individuais e comunitárias, e programação de atividades de formação e de capacitação. A localização e instalação obedece a uma dinâmica que remontou inicialmente à indicação de agricultores de perfil agregador, inovador, por vezes líder informal ou não, que agissem para favorecer um diálogo sócio-técnico entre as equipes do projeto e os segmentos agrícolas nas comunidades.
Segundo Rebert Correia, “resultados impressionantes” advieram dos 14 Planos de Ação que integram o Projeto Lago de Sobradinho. Em um deles, o de Olericultura, houve registro de incremento da produtividade acima de 80%, além da economia de 50% de água, 80% de fertilizantes e 30% de mão de obra. Em outro, relacionado à Apicultura, que teve ativa participação de professores e técnicos da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e da Bahiater em cursos de capacitação, a apropriação de inovações tecnológicas que fizeram as produtividades saltarem de aproximadamente 13 kg/colmeia/ano para cerca de 40 kg/colmeia/ano.
A favor destes resultados atuou sólida parceria institucional construída pela Embrapa e Chesf junto a entidades não governamentais, representantes dos movimentos sociais da região, Fórum de Integração, colônias de pescadores, cooperativas e associações de agricultores familiares e sindicato dos trabalhadores rurais. “A articulação ampliada junto a outros atores atuantes nos municípios será a base para a execução dos novos projetos e que devem incrementar a melhoria da segurança alimentar e a renda dos agricultores”, conclui o pesquisador da Embrapa.


* Texto originalmente publicado na edição especial número 47 do Jornal do Semiárido, de janeiro de 2018 (ver aqui).

quarta-feira, 14 de março de 2018

“Trabalhosa mas gratificante”, diz piscicultora sobre criação de peixes no Lago de Sobradinho




A rotina é extenuante, com atividades que não podem deixar de ser executadas várias vezes, dia após dia, mesmo que esteja cravado no calendário como sábado, domingo ou feriado. Um descuido e Neuraci de Jesus Silva sabe que serão menos quilos de peixes a colher nos 54 tanques-rede que mantém no lago formado pela Barragem de Sobradinho, no Rio São Francisco, e, consequentemente, menor a renda com a qual sustenta os três filhos.

Na sede da associação Acripeixess, que mantém com mais quatros sócios - Albaneide Santos Pinto, Edivane Limoeiro de Sousa (presidente), Jocecino José dos Santos e Maria das Graças -, a sequência de atividades começa cedo e vai até à tardinha: carregar o carrinho de mão com um saco de ração de 25kg e depois percorrer um caminho inclinado e pedregoso de mais de 100m  até a margem do rio, onde vai precisar transferir o saco para um barco. Em seguida, dar boas remadas até os tanques e, em cada um, encher uma vasilha com ração e jogar, para a alegria dos peixes confinados.

Ao longo do dia, e a depender do peso dos peixes, terá de repetir o percurso algumas vezes: se os peixes têm de 5g a 60g, serão 6 vezes; de 100g a 200g, vai repetir quatro vezes; três, quando têm entre 400g e 600g; e duas se pesam acima de 700g.

Quase sempre sozinha nessas atividades, Neuraci não reclama. Na verdade, aos 40 anos, se considera realizada. Nascida em Itiúba, região sisaleira da Bahia, há 12 anos desembarcou em Sobradinho com pai, mãe e irmãos na expectativa de melhorar de vida, como pescadores. E a essa atividade se dedicaram por vários anos na nova cidade.

Para ela, em 2003, o ingresso na associação mudou “muito” a dinâmica da sua vida de pescadora. Ao passar a criar peixes (Tilápia Rosa) em tanques-rede instalados em um único lugar, deixou de precisar se deslocar pelo rio para pontos distantes em jornadas que, por vezes, podiam levar mais de dias.

“Uma vez, para construir a casa que moro hoje, passei três meses pescando, vivendo debaixo de lona. A filha, tive de deixar com a vizinha para que não faltasse a escola”, revela.

Se, por um lado, facilitou o trabalho num só local, por outro aumentaram as preocupações com manejo dos peixes criados em cativeiros, com a racionalização dos recursos necessários à boa produtividade dos lotes instalados em cada um dos 54 tanques de sua propriedade e, ainda, com as estratégias de comercialização. Quando começou tinha somente 12 tanques.

Projeto - Ao iniciar as atividades, a Acripeixess era formada por 25 filiados. Atualmente está reduzida a cinco – quatro mulheres e um homem que, desde 2013, participam das atividades do Projeto Lago de Sobradinho, junto com pesquisadores e técnicos da Embrapa Semiárido e da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf).

Com a estratégia de experimentar técnicas de produção em meio real, os coordenadores do projeto fizeram a cessão de seis tanques-rede para cada um dos associados e eles passaram a ter o compromisso de, a cada 15 dias, registrar informações detalhadas acerca da quantidade de ração fornecida, peso, preço dos peixes, dentre outros dados que auxiliam na elaboração de inovações técnicas e gerenciais para ampliar a produtividade dos piscicultores.

De acordo com o coordenador do projeto, o pesquisador da Embrapa Semiárido Rebert Coelho Correia, “os dados nos permitem fazer um balanço da produção e ser mais precisos nos cálculos de rentabilidade da piscicultura. Temos constatado rendimentos de cada membro que chega a quase R$ 3.000,00 por mês. Melhor que o obtido em muitas atividades na região”, garante.

A atuação do projeto nessa área está relacionado ao Plano de Ação 7 (Reestruturação da pesca e da piscicultura), que está sob a gestão da pesquisadora Daniela Bacconi Campeche, da Embrapa Semiárido. Segundo ela, a atividade precisa da rápida iniciativa dos órgãos responsáveis para superar problemas como a falta de licenciamento ambiental, que impede o acesso dos produtores ao crédito bancário.

“Esse é o maior gargalo relatado por 100% dos produtores locais atualmente. Ter uma atividade deste porte, com lucratividade e sem financiamento, é só para quem realmente tem afinidade com a atividade”, garante Daniela.

“Todos os produtores já dominam o manejo da produção, sabem escolher bons fornecedores de alevinos e de rações. Mas ainda falta melhorar a gestão do negócio como um empreendimento, o planejamento estratégico e o controle de qualidade para ter um pescado mais homogêneo”, afirma . 

Com relação ao projeto, a piscicultora Neuraci Silva é categórica: “Conheci e gostei”. Continua ela: “O cooperativismo aqui é realidade, um ajuda o outro. Quatro pessoas vivem do peixe, só um tem outra atividade”. Ela própria exercia outra profissão, e tem até formação para isso – é Técnica em Enfermagem. Mas de antemão já avisa que não pretende mudar sua atuação.

“Talvez eu tivesse que trabalhar em vários hospitais para ter a renda que tenho aqui e sem a mesma alegria. Então, eu prefiro trabalhar com o peixe”, explica com um riso de satisfação.

O peixe de Neuraci, já tratado (sem as vísceras), tem destino certo: “viaja” para cidades baianas como Capim Grosso, Campo Formoso e Itiúba, onde é comercializado.

“Trabalho no que gosto, me sustento e ainda sustento meus filhos.” Neuraci de Jesus Silva


* Texto originalmente publicado na edição especial número 47 do Jornal do Semiárido, de janeiro de 2018 (ver aqui).

quarta-feira, 7 de março de 2018

Parceria pelo desenvolvimento rural no Vale do São Francisco







Nas suas perspectivas institucionais, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), com seu Programa de Responsabilidade Social, e a Embrapa Semiárido, com sua agenda de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), estabeleceram uma dinâmica de cooperação técnica que tem materializado métodos, meios e instrumentos de apropriação de conhecimentos e de tecnologias pelos agricultores e suas organizações. Os resultados são significativos.

Nos municípios baianos do entorno do lago formado pela Barragem de Sobradinho - Casa Nova, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé e Sobradinho - as equipes técnicas das duas empresas desdobraram-se na execução de um amplo programa de capacitação e de experimentações agrícolas em meio real, que tem incrementado nas propriedades uma infraestrutura produtiva, impactando na geração de renda dos agricultores e no desenvolvimento das comunidades rurais.

Na estratégia de intervenção do projeto estabeleceu-se, em 2010, metas de beneficiar direta e indiretamente cerca de 594 e 9.000 agricultores familiares, respectivamente. Em outubro de 2017 esses números já eram bem maiores: 744 e mais de 13 mil.

Alcançou-se um público dessa dimensão em um processo de articulação com organizações da sociedade civil (associações, cooperativas, sindicatos, colônias de pescadores etc.) e instituições públicas de ensino, de assistência técnica e extensão rural, e de regulação ambiental. Além disso, firmou-se importante interlocução com as prefeituras municipais e suas secretarias de agricultura, meio ambiente e desenvolvimento rural.

Mais que isso, no entanto, o projeto se ancorava na pluriatividade agrícola que havia sido constatada nas visitas aos municípios ainda na etapa da sua elaboração. Assim, incorporou objetivos e metas não apenas em questões tecnológicas e na sua transferência para os sistemas de produção. Chesf e Embrapa foram ao campo como espaço de vida, onde agricultores, vaqueiros e pescadores convivem junto aos recursos naturais e à produção pecuária e agrícola, integrando-se na perspectiva da sustentabilidade.

Da mesma forma, incorporaram conceitos de que o Bioma Caatinga é também território e espaço de desenvolvimento, que guarda e conserva potencialidades sociais, econômicas e ambientais inerentes aos indivíduos, às famílias, comunidades e  municípios.

Selou essa cooperação a determinação de atuarem para superar os impactos causados a milhares de ribeirinhos com a construção da Barragem de Sobradinho. À época, a população afetada se defrontou com a abrupta transformação dos seus hábitos e história.

O foco no desenvolvimento acelerado não percebeu o vazio cultural e tecnológico que as populações deslocadas das margens do rio e das áreas de influência da barragem tinham, para que pudessem se apropriar das novas oportunidades que se apresentavam. Estas populações possuíam valores e sistemas de produção e de vida pouco compatíveis com aquelas que chegavam atraídas pelas obras da barragem e situações advindas da nova dinâmica.

Na avaliação do administrador Rodolfo de Sá Cavalcanti, gestor da Chesf do Termo de Cooperação com a Embrapa Semiárido, “os resultados obtidos, apesar dos devastadores efeitos da seca no Semiárido baiano, durante o período do projeto, são surpreendentes e auspiciosos, recuperam e/ou restituem perdas do público-alvo do projeto, levando esperança e júbilo aos beneficiados, e incentivo para a ampliação de ações e iniciativas por parte das empresas”.

De fato, os resultados obtidos neste projeto ensejaram a Chesf e a Embrapa Semiárido a estenderem a cooperação técnica e elaborarem novas propostas, com a finalidade de promover sistemas de produção agropecuários mais harmonizados com o bioma  e que se traduzam no incremento da produtividade, na redução dos custos de produção e na melhoria da qualidade de vida dos agricultores e de suas famílias. Deste modo, se aproxima do desenvolvimento sustentável de comunidades rurais submetidas a sérios problemas sociais e econômicos.


* Texto originalmente publicado na edição especial número 47 do Jornal do Semiárido, de janeiro de 2018 (ver aqui).