quarta-feira, 14 de março de 2018
“Trabalhosa mas gratificante”, diz piscicultora sobre criação de peixes no Lago de Sobradinho
A rotina é extenuante, com atividades que não podem deixar de ser executadas várias vezes, dia após dia, mesmo que esteja cravado no calendário como sábado, domingo ou feriado. Um descuido e Neuraci de Jesus Silva sabe que serão menos quilos de peixes a colher nos 54 tanques-rede que mantém no lago formado pela Barragem de Sobradinho, no Rio São Francisco, e, consequentemente, menor a renda com a qual sustenta os três filhos.
Na sede da associação Acripeixess, que mantém com mais quatros sócios - Albaneide Santos Pinto, Edivane Limoeiro de Sousa (presidente), Jocecino José dos Santos e Maria das Graças -, a sequência de atividades começa cedo e vai até à tardinha: carregar o carrinho de mão com um saco de ração de 25kg e depois percorrer um caminho inclinado e pedregoso de mais de 100m até a margem do rio, onde vai precisar transferir o saco para um barco. Em seguida, dar boas remadas até os tanques e, em cada um, encher uma vasilha com ração e jogar, para a alegria dos peixes confinados.
Ao longo do dia, e a depender do peso dos peixes, terá de repetir o percurso algumas vezes: se os peixes têm de 5g a 60g, serão 6 vezes; de 100g a 200g, vai repetir quatro vezes; três, quando têm entre 400g e 600g; e duas se pesam acima de 700g.
Quase sempre sozinha nessas atividades, Neuraci não reclama. Na verdade, aos 40 anos, se considera realizada. Nascida em Itiúba, região sisaleira da Bahia, há 12 anos desembarcou em Sobradinho com pai, mãe e irmãos na expectativa de melhorar de vida, como pescadores. E a essa atividade se dedicaram por vários anos na nova cidade.
Para ela, em 2003, o ingresso na associação mudou “muito” a dinâmica da sua vida de pescadora. Ao passar a criar peixes (Tilápia Rosa) em tanques-rede instalados em um único lugar, deixou de precisar se deslocar pelo rio para pontos distantes em jornadas que, por vezes, podiam levar mais de dias.
“Uma vez, para construir a casa que moro hoje, passei três meses pescando, vivendo debaixo de lona. A filha, tive de deixar com a vizinha para que não faltasse a escola”, revela.
Se, por um lado, facilitou o trabalho num só local, por outro aumentaram as preocupações com manejo dos peixes criados em cativeiros, com a racionalização dos recursos necessários à boa produtividade dos lotes instalados em cada um dos 54 tanques de sua propriedade e, ainda, com as estratégias de comercialização. Quando começou tinha somente 12 tanques.
Projeto - Ao iniciar as atividades, a Acripeixess era formada por 25 filiados. Atualmente está reduzida a cinco – quatro mulheres e um homem que, desde 2013, participam das atividades do Projeto Lago de Sobradinho, junto com pesquisadores e técnicos da Embrapa Semiárido e da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf).
Com a estratégia de experimentar técnicas de produção em meio real, os coordenadores do projeto fizeram a cessão de seis tanques-rede para cada um dos associados e eles passaram a ter o compromisso de, a cada 15 dias, registrar informações detalhadas acerca da quantidade de ração fornecida, peso, preço dos peixes, dentre outros dados que auxiliam na elaboração de inovações técnicas e gerenciais para ampliar a produtividade dos piscicultores.
De acordo com o coordenador do projeto, o pesquisador da Embrapa Semiárido Rebert Coelho Correia, “os dados nos permitem fazer um balanço da produção e ser mais precisos nos cálculos de rentabilidade da piscicultura. Temos constatado rendimentos de cada membro que chega a quase R$ 3.000,00 por mês. Melhor que o obtido em muitas atividades na região”, garante.
A atuação do projeto nessa área está relacionado ao Plano de Ação 7 (Reestruturação da pesca e da piscicultura), que está sob a gestão da pesquisadora Daniela Bacconi Campeche, da Embrapa Semiárido. Segundo ela, a atividade precisa da rápida iniciativa dos órgãos responsáveis para superar problemas como a falta de licenciamento ambiental, que impede o acesso dos produtores ao crédito bancário.
“Esse é o maior gargalo relatado por 100% dos produtores locais atualmente. Ter uma atividade deste porte, com lucratividade e sem financiamento, é só para quem realmente tem afinidade com a atividade”, garante Daniela.
“Todos os produtores já dominam o manejo da produção, sabem escolher bons fornecedores de alevinos e de rações. Mas ainda falta melhorar a gestão do negócio como um empreendimento, o planejamento estratégico e o controle de qualidade para ter um pescado mais homogêneo”, afirma .
Com relação ao projeto, a piscicultora Neuraci Silva é categórica: “Conheci e gostei”. Continua ela: “O cooperativismo aqui é realidade, um ajuda o outro. Quatro pessoas vivem do peixe, só um tem outra atividade”. Ela própria exercia outra profissão, e tem até formação para isso – é Técnica em Enfermagem. Mas de antemão já avisa que não pretende mudar sua atuação.
“Talvez eu tivesse que trabalhar em vários hospitais para ter a renda que tenho aqui e sem a mesma alegria. Então, eu prefiro trabalhar com o peixe”, explica com um riso de satisfação.
O peixe de Neuraci, já tratado (sem as vísceras), tem destino certo: “viaja” para cidades baianas como Capim Grosso, Campo Formoso e Itiúba, onde é comercializado.
“Trabalho no que gosto, me sustento e ainda sustento meus filhos.” Neuraci de Jesus Silva
* Texto originalmente publicado na edição especial número 47 do Jornal do Semiárido, de janeiro de 2018 (ver aqui).
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